Profissionais da moto em grandes cidades usam mais equipamentos de segurança, envolvem-se em menos acidentes e são uma parte menor do problema da violência com as motocicletas.
Artigo publicado pelo Senado na revista « Em discussão », em número especial, com título « Explosão de motos e mortes » de Novembro 2012 (página 12).
Paralelamente aos engarrafamentos cada vez maiores nas grandes cidades brasileiras, principalmente a partir da segunda metade dos anos 1990, o país assistiu a outro fenômeno: o surgimento de profissionais que fazem da motocicleta a sua ferramenta de trabalho. São os motoboys (nota-1) ou, no português, motofretistas, e os mototaxistas, que emprestam seu tempo, coragem e equipamento para transportar coisas e pessoas, driblando os congestionamentos cada vez maiores das grandes cidades
“As metrópoles chegaram a um ponto de crescimento que ameaça estrangular o trânsito. Por isso, começaram a surgir empresas fornecedoras de serviços em que profissionais, no uso de motocicleta, fazem o transporte rápido de pequenos volumes, entre outros serviços externos”, explicou no Senado o advogado especialista em trânsito Felipe Carmona.
Se, de um lado havia, um contingente de jovens, especialmente das classes C, D e E (leia mais sobre o perfil do comprador de motos na pág. 36) procurando emprego, a agilidade e a economia da motocicleta atenderam à demanda cada vez maior de bancos, indústrias e escritórios para o transporte de documentos e pequenas cargas, ajudando também a expansão dos serviços 24 horas de entregas de alimentos e medicamentos.
“A motocicleta tem sido uma engrenagem de transformação nas relações sociais e no trabalho, e o motofrete é apenas uma expressão. Com a motocicleta, o trabalhador jovem, de baixa e média escolaridade e remuneração encontrou uma ocupação que o mantém em circulação permanente pela cidade. Mais baratas, com financiamento facilitado, as motocicletas se transformaram, então, em uma ferramenta para inclusão social desse jovem”, avalia o sociólogo especialista em trânsito Eduardo Biavati. A produtividade do motoboy está diretamente relacionada ao tempo que ele leva para executar suas tarefas. Basicamente, se economizar tempo, um maior número de entregas pode ser feito, levando a um ganho maior no dia. A pressão e o cotidiano do motofretista, que passa cerca de 50% mais tempo em cima da moto em jornadas que chegam a nove ou dez horas diárias, parece, assim, perfeita para mais acidentes.
A conduta de risco (leia mais sobre o tema na pág. 32) observada nas motos que passam em alta velocidade pelo corredor entre os carros, avançam o sinal vermelho, realizam conversão proibida e entram na contramão (atitudes que causam 74% das mortes dos condutores) geralmente é associada ao motoboy. Mas essa hipótese não se confirma completamente em pesquisas realizadas.
“Não há uma ‘cultura do motoboy’ pelo simples fato de que esse grupo não se distingue socioeconomicamente da grande massa de motociclistas da cidade — os dois são uma única figura social: o motociclista. O motoboy não é o protagonista de comportamentos de risco. Na verdade, é uma parte menor da questão”, afirma Biavati.
Pesquisa realizada em 2006 pelo Ibope para a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo, com 1.008 motociclistas, demonstrou que o motofrete não caracteriza o uso da motocicleta na cidade, por maior que seja sua presença cotidiana nas vias centrais urbanas. A começar pelo número total de motociclistas: em dezembro de 2011, havia aproximadamente 850 mil motos registradas em São Paulo e 200 mil mototaxistas e motofretistas (veja o perfil d
o profissional da motocicleta no infográfico na pág. 37).
“As variáveis socioeconômicas encontradas na pesquisa indistinguem motociclistas e motofretistas. Oriundos das mesmas regiões da cidade, de um mesmo contexto social e nível de renda, alheios ao treinamento formal para a pilotagem e, sobretudo, pertencentes a uma mesma geração, é mais correto pensar que há um único grupo: os motociclistas”, analisa o sociólogo, no estudo Mortos e Feridos sobre Duas Rodas, realizada em conjunto com Heloísa Martins, da CET.
Diferentemente do que sugere o estereótipo, a categoria profissional presente aos debates na Comissão de Assuntos Sociais mostrou-se favorável à maior regulamentação e fiscalização dos motociclistas. E apresentou dados que demonstram que os sindicalizados são mais conscientes das responsabilidades e têm maior qualificação que os motociclistas iniciantes ou sem habilitação, que seriam responsáveis pelos altos índices de acidentes. A pesquisa do Ibope, por exemplo, revelou em 2006 que os motofretistas eram os maiores adeptos de equipamentos para a segurança (capacetes, jaquetas, calças, luvas, e botas).
“A estigmatização do ‘motoboy cachorro louco’ não passa, é claro, de preconceito. Não há fundamento empírico para supor que a frota a serviço do motofrete seja responsável pela regularidade dos acidentes e das mortes”, afirma Eduardo Biavati.
Outros dados confirmam que os profissionais são mais conscientes sobre segurança que o motociclista comum. Segundo Rodrigo Carlos da Silva, consultor do Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas de São Paulo (Sindimoto-SP), a taxa de profissionais mortos no trânsito na capital paulista vem caindo desde 2009.
Nesse ano, foram 438 motociclistas mortos, sendo 65 profissionais, 15% do total. Em 2011, o índice caiu para 8%.
O presidente do Sindicato dos Motociclistas Profissionais do Distrito Federal (Sindimoto-DF), Reivaldo Alves, confirmou que a maioria dos acidentados em Brasília não é profissional. Segundo ele, dados do Detran mostram que, em cada dez pessoas que andam de moto na capital, quatro não têm carteira.
“As pessoas não estão preparadas para andar de moto. Sou totalmente a favor da fiscalização, da multa, da apreensão da moto, porque os motociclistas estão morrendo. Quando acontece um acidente, dizem que é um motoboy. Mas não é um motoboy. É um usuário comum: fretista, garçom, motorista que vai ao trabalho, mas que não tem carteira de habilitação para moto, não sabe travar o capacete, não sabe frear com 70% do freio dianteiro”, alertou Alves.
O estudo Mortos e Feridos sobre Duas Rodas confirma que a maioria das mortes ocorre nas noites e madrugadas do sábado e domingo.
“É clara a relação dessa concentração de acidentes com os roteiros e atividades de lazer. É justamente nessas noites que morre mais da metade dos ‘estudantes’ motociclistas, quase todos com idade entre 14 e 17 anos, conduzindo a motocicleta sem habilitação.”
No Acre, a regulamentação da profissão funcionou como um freio no número de acidentes. O estado foi o primeiro a regulamentar os serviços de mototáxi e motoboy. Dos 22 municípios acreanos, 20 já têm a atividade regulamentada. “Segundo pesquisa sobre o índice de acidentes de trânsito no Acre, 44% envolvem motocicleta, mas nenhum ocorreu com trabalhadores. Isso mostra que quando o estado regulamenta a profissão, o serviço ganha”, considerou Pedro Mourão, presidente do Sindicato dos Mototaxistas do Acre.
Não só os trabalhadores estão se organizando. Entidades que reúnem empresas de motofrete também se envolvem na segurança dos seus funcionários. No seminário realizado pelo Senado, o Sindicato das Empresas de Telesserviços e Entregas Rápidas (Setser-RS) informou que os filiados investem na qualificação dos motofretistas, com reflexos nas estatísticas. Segundo Luiz Carlos Mello, presidente do sindicato, os profissionais dessas empresas já ficaram 250 dias consecutivos sem sofrer acidentes.
“Isso merece consideração, pois mostra que as empresas respeitam as pessoas e as leis. Aprendemos também que segurança gera lucro, pois, para cada real investido, ganham-se três de retorno”, analisou.
Outro grande desafio, afirmou Mello, é profissionalizar mais empresas. “Hoje, empresas que participam de entidades representativas, que estão regulares, que cumprem seu papel, com responsabilidade social, sobrevivem em um mercado em que 85% dos concorrentes são irregulares”, ponderou.
O presidente do Sindicato dos Motociclistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindimoto-RS) Valter Ferreira da Silva, corroborou o resultado positivo apontado por Mello. “No Rio Grande do Sul, construímos uma parceria entre empregadores, autarquias municipais e estaduais e institutos, todas as pessoas envolvidas com o trânsito, porque temos o objetivo de reduzir os acidentes, o número de sequelados e de óbitos e, acima de tudo, de mudar a imagem do motociclista”, explicou.
O senador Waldemir Moka (PMDB-MS) informou que os sindicatos dos mototaxistas e motoentregadores de Mato Grosso do Sul se mobilizaram e conseguiram que a prefeitura distribuísse coletes e oferecesse cursos gratuitos de aperfeiçoamento na direção. “Mas isso porque o segmento está mobilizado e organizado. A estatística mostra hoje que os mototaxistas e os motoentregadores são os que sofrem menos acidentes, talvez porque sejam mais conscientes e porque fazem parte de uma mobilização nesse sentido”, avaliou o senador.
Nota 1:
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