O Brasil na contramão da Década de Ação pela Segurança no Trânsito
(Outubro 2013) Para o deputado Hugo Leal, os avanços esbarram na omissão do estado e no conformismo da sociedade
Marina Lemle
No papel de chefe da delegação brasileira na 1ª Conferência Ministerial Global para a Segurança Viária, o deputado federal Hugo Leal (PROS/RJ) assinou, em 2009, a Carta de Moscou - semente da Década de Ação pela Segurança no Trânsito, instituída pela ONU em 2011 com a meta de reduzir em 50% o número de mortes e lesões no trânsito até 2020. Quase três anos se passaram e o projeto de lei que institui a década no Brasil ainda não foi aprovado.
Em entrevista à Associação Por Vias Seguras, o deputado, que é presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro e tornou-se conhecido como “o autor da Lei Seca”, explicou que o Brasil não avançou praticamente nada até agora e declarou-se pouco otimista em relação aos resultados do país na Década.
Para Hugo Leal, faltam iniciativas e decisão política nas três esferas de poder. Ele defende a criação da Secretaria Especial de Prevenção e Segurança no Trânsito para elevar a questão ao nível da Presidência da República.
O que houve com o PL 6319/09, de sua autoria, que institui a Década de Ação pela Segurança no Trânsito no Brasil?
Ele foi aprovado nas Comissões de Viação e Transporte e de Constituição, Justiça e Cidadania e encaminhado em julho de 2012 para o Senado Federal. Também sou autor da Indicação Legislativa 5632/2009, que recomenda ao Poder Executivo Federal a imediata adesão à Década.
O Plano Nacional de Redução de Acidentes, elaborado pelo Comitê Nacional de Mobilização pela Saúde, Segurança e Paz no Trânsito, foi amplamente debatido por especialistas de todo o país e encaminhado à Presidência da República em 2011. Quais as principais diretrizes?
O Plano tratou com razoável profundidade todas as questões importantes para a segurança da circulação viária do Brasil, seguindo rigorosamente as diretrizes recomendadas pela Organização Mundial da Saúde. São cinco os pilares principais tratados: a gestão das ações de prevenção e de segurança no trânsito; a segurança nas vias públicas; a segurança e a proteção dos usuários de veículos; a segurança dos usuários das vias mais vulneráveis (pedestres, ciclistas e motociclistas) e o atendimento e socorro às ocorrências. Em cada um desse pilares, foi estabelecida uma série de ações com metas e prazos, de maneira a permitir que a meta de redução de 50% nas mortes e lesões provocadas pelo trânsito pudessem ser alcançadas.
Por que o Plano ainda não foi lançado?
Lamentavelmente, esse documento ainda se encontra sob a análise dos técnicos da Casa Civil. Ele não foi oficializado como uma ação de governo, que vem tratando o compromisso com a Década por meio do Pacto Nacional Pela Redução de Acidentes de Trânsito – o Parada. Não é exatamente um plano de ação, mas sim uma campanha de mídia.
O Parada foi assinado por algumas personalidades e empresas, mas não por governadores ou prefeitos. O que esse “pacto” significa na prática?
Vejo o Parada como uma importante ferramenta de mobilização social e de promoção de campanhas pontuais. Mas, como disse anteriormente, ele não é um plano de ação. Não tem um diagnóstico preciso dos problemas, não tem um cronograma de ações, metas a serem alcançadas, prazos de execução, processos de acompanhamento e avaliação. Enfim, não tem liderança e tampouco equipe técnica que responda pelas ações, parcerias e compromissos que devem ser assumidos pelas autoridades e demais atores do trânsito nacional.
O senhor é relator do substitutivo ao PL 5.525/2009, de autoria do deputado Beto Albuquerque. Do que ele trata?
O texto original do projeto de lei estabelecia a instituição de um Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito, atribuindo aos órgãos competentes do Poder Executivo a função de elaborá-lo, definindo também algumas exigências. Entre elas, a fiscalização anual de pelo menos 30% da frota circulante no país para a verificação da documentação do veículo e condutor, do estado dos itens de segurança e para a realização de testes de alcoolemia do condutor.
Diante da importância da proposta, apresentei um substitutivo ao PL com maior profundidade e detalhamento que não só preservou a essência do que pretende o deputado Beto Albuquerque como também evitou futuras discussões técnicas acerca de métodos ou objetivos de fiscalização, os quais devem ser escolhidos no âmbito de cada estado.
Meu parecer como relator foi aprovado por unanimidade pela Comissão de Viação e Transportes em agosto de 2012, seguindo para a Comissão de Constituição e Justiça, onde ainda se encontra aguardando o parecer de seu relator, deputado Marçal Filho.
Houve avanços no país desde 2011?
Diante do compromisso assumido com o mundo, por meio da adesão à Década de Ação pela Segurança no Trânsito, penso que praticamente não avançamos. Aliás, as estatísticas de mortes e lesões no trânsito desde então só fazem aumentar. Apesar de alguns avanços pontuais, principalmente na questão do condenável hábito de dirigir veículos sob efeito de bebida alcoólica - fruto da Lei Seca, da qual tenho a honra e satisfação de ter sido autor, não só do projeto original de 2007 mas também de sua atualização, em 2012 -, ainda estamos muito longe de alcançarmos o desafio da redução desses índices em 50%. O Brasil, que vinha ocupando o 5º lugar no ranking mundial da mortalidade viária no mundo, já subiu o pódio e hoje ocupa o 3º lugar, segundo dados divulgados pelo Irtad (International Traffic Safety Data and Analysis Group).
Um estudo realizado pela Confederação Nacional de Municípios mostrou que o Brasil segue o caminho inverso ao dos países desenvolvidos. Em 1971, a taxa de mortes por acidentes de trânsito era de 11,1 a cada 100 mil habitantes, segundo dados do Denatran. Em 2010 passou para 22,5. Os dados mostram que, proporcionalmente à população, o trânsito brasileiro mata 2,5 vezes mais que o dos Estados Unidos e 3,7 vezes mais que o da União Europeia.
O relatório mais recente lançado pelo Irtad mostra que muitos países estão reduzindo as fatalidades no trânsito a cada ano, caminho que não vem sendo seguido pelo Brasil. A Austrália, que em 1970 tinha uma taxa de 30,4 mortes a cada 100 mil habitantes, conseguiu reduzir, em 2009, para 6,8. Reduções drásticas também se apresentaram na Bélgica (de 31,8 para 8,9), França (de 32,6 para 6,8) e Estados Unidos (de 25,8 para 11,1).
Quais os principais entraves e como solucioná-los?
Em minha opinião, faltam iniciativas e decisão política das autoridades executivas nas três esferas de poder – federal, estaduais e municipais – para começar a fazer o dever de casa determinado pela ONU e pela OMS. Reporto-me aos cinco pilares definidos por esses organismos e que citei anteriormente. E o mais importante deles: a definição de um organismo central, competente e bem estruturado para gerir a complexa questão da violência no trânsito e coordenar todas as ações consequentes. Falta a implementação de um órgão fundamental no controle da segurança viária em todo o Brasil. Trata-se da Secretaria Especial de Prevenção e Segurança no Trânsito, vinculada ao Gabinete Civil da Presidência da República. Criada por Medida Provisória, a Septran tem por objetivo elevar o tema à mais alta esfera administrativa federal, em função dos nefastos efeitos provocados pela mortalidade no trânsito. Ela proporcionaria coordenação, agilidade e dinamismo à Presidência da República na elaboração e implementação de políticas públicas, estratégias e iniciativas voltadas para reduzir a violência na circulação de veículos automotores nas rodovias, vias urbanas e estradas brasileiras. A Secretaria funcionaria como a autoridade nacional em prevenção e segurança no trânsito, atuando como elo de articulação entre as inúmeras instâncias governamentais dos vários níveis dos poderes executivos.
Como vê a atuação do Brasil em relação ao compromisso internacional firmado até 2020?
Vejo com pouco otimismo. Com a omissão do estado e o inexplicável conformismo da sociedade que assiste passivamente a recorrente elevação dos índices de mortos e feridos no trânsito como se inevitáveis fossem, receio sinceramente que o Brasil venha a ser um dos países que vai andar na contramão da Década de Ação pela Segurança no Trânsito.