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Vias Seguras / A prevenção / A Década de Ações de Segurança do Trânsito (2011-2020) / Por uma política de estado para proteger e salvar vidas





Por uma política de estado para proteger e salvar vidas

(Agosto 2011)  Entrevista do ortopedista Marcos Musafir, da SBOT

O Estado precisa se preparar para o aumento da mobilidade humana

Marina Lemle

A invalidez é a principal causa de pagamento de indenizações pelo Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT), segundo balanço divulgado em julho de 2011 pela seguradora Líder, que administra o seguro. No primeiro semestre do ano, as indenizações por invalidez representaram 65% de todas as indenizações concedidas.

Musafir

 Para o ortopedista Marcos Musafir, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), o crescimento dos casos de invalidez está ligado ao aumento do número de veículos sem o aumento proporcional de vias de qualidade e seguras e ao aumento do número de habilitados, incluindo jovens menos preparados, que são expostos aos riscos do trânsito. “As auto-escolas não treinam os alunos a dirigir na chuva, de noite ou em terrenos íngrimes, por exemplo”, afirma. Fatores de distração, como o telefone celular, também representam risco. Musafir lembra que as maiores vítimas são os pedestres, motociclistas e ciclistas, que ficam mais vulneráveis do que quem está de carro.

Ele ressalta a importância do papel do estado, que deveria se preparar para a mobilidade humana. Para o ortopedista, há uma falha enorme no transporte público, que carece de linhas de metrô e de vias expressas, entre outros gargalos que demandam atenção multissetorial e multiprofissional.

“Quem paga a conta é a Saúde e também as famílias, que empobrecem”, lamenta. Segundo ele, a maioria dos mutilados, amputados e sequelados está na faixa produtiva da vida quando se torna “incapaz de construir um país”.

Nos últimos cinco anos, o número de indenizações por invalidez só aumentou: em 2006 eram 45.635; em 2007, 80.333; em 2008, 89.474; em 2009, 118.021; e em 2010, 151.588. . Em 2011, só nos primeiros seis meses, foram pagas 107.403. As indenizações por morte foram 26.894.

De acordo com Musafir, o valor pago pelo seguro às vítimas que sobrevivem é “simbólico”. “É um valor único que não cobre o tratamento completo e não permite a sua continuidade”, afirma. Para ele, os recursos advindos de multas e do seguro obrigatório deveriam ser investidos na construção de unidades de reabilitação, como as da Rede Sarah. Ele dá a Espanha como exemplo. “Lá, as pessoas deixam de ser aleijados alijados da sociedade e voltam a ter ações que ajudam a família a avançar”, conta.

Além de aumentar a rede de hospitais de reabilitação, é preciso, segundo o ortopedista, melhorar a capacitação de médicos e enfermeiros e ofecerer recursos para o bom atendimento pelos especialistas, com mais e melhores centros e unidades de terapia intensiva, materiais e equipamentos. Musafir afirma que houve avanços nas últimas décadas, como o socorro rápido às vítimas, que chegam vivas aos hospitais de referência, o que há 30 anos não acontecia. Porém, como as vítimas ficam muito tempo internadas, os hospitais ficam superlotados.

Entre os avanços estão também os equipamentos de segurança, como o cinto de segurança retrátil e vidros que estilhaçam, em vez de quebrar. Os acidentes de carro eram a primeira causa de cegueira em jovens, quando o vidro quebrava-se com o impacto.

Musafir explica que num acidente de trânsito, ocorrem três traumas. O primeiro impacto é do veículo; o segundo, do ocupante contra o painel; e o terceiro, dos órgãos contra a parede do corpo. Nos acidentes com veículos fechados, ocorrem traumas de crânio e de tórax, fratura de ossos longos, fratura de bacia - que sangra muito e pode matar - e cegueira, entre outros. Em baixa velocidade, geralmente ocorrem lesões menos complexas, de joelho e fêmur.

Em atropelamentos, o impacto biomecânico é muito alto, porque ainda se soma o peso do veículo. Em baixa velocidade, ocorrem fraturas expostas da tíbia, dos punhos e da cabeça. “A velocidade importa muito”, diz.

Segundo o ortopedista, nos acidentes em bicicleta, traumas de crânio e fraturas de extremidades são comuns. De moto, o uso do capacete reduz em 70 vezes a gravidade do trauma de crânio. Musafir conta que no Vietnam, onde são produzidas três mil motos por hora, ninguém queria usar capacete por causa do calor. “Criaram um capacete com ventilação e a mortalidade caiu 80%. As pessoas continuam caindo, mas se machucam menos”, explica. Ele lembra ainda que, na Tailândia, foram criadas motovias, vias só para motos. “Há formas de resolver os problemas”, ensina.

Para Musafir, um acidente não é uma fatalidade:

“Ele é definido como algo fortuito, sem causa. Mas é resultado de falha humana, seja porque a via está mal conservada, pela falta de fiscalização ou pela falha do vetor, que é o ser humano. É a falha humana que induz ao trauma de trânsito, que é um trauma físico, material e emocional.”

Sensibilização

Na Década por um Trânsito Mais Seguro, a SBOT vem desenvolvendo ações para sensibilizar o governo e a população sobre os riscos do trânsito. “85% dos acidentados sofrem lesão músculo-esquelética e somos nós, ortopedistas, que os tratamos. Sabemos da nossa responsabilidade e das deficiências, de custo elevado. Precisamos de uma política de estado para proteger e salvar vidas”, defende.

Além de fazer pesquisas periódicas para gerar informações e divulgá-las pela mídia, para ter grande alcance de pessoas, a SBOT tem outras iniciativas de sensibilização, como a campanha “30 segundos do ortopedista”. A Sociedade recomenda aos profissionais que em cada consulta dedique 30 segundos para aconselhar os pacientes sobre questões do trânsito.

Formada por 10 mil ortopedistas, a SBOT firmou uma parceria com a Frente Parlamentar do Trânsito Seguro visando três aspectos: a educação para o trânsito; a engenharia de tráfego; e a fiscalização e a punição. Com esta associação, os ortopedistas endossam a proposta de reduzir pela metade o número de acidentes com mortes até 2020, por meio de reforma da legislação e fiscalização dos investimentos públicos no setor. Um dos objetivos da Frente é conseguir que o governo federal invista efetivamente os R$ 500 milhões orçamentários para a redução dos acidentes de trânsito, os quais não são aplicados integralmente. Hoje, a União gasta 60 vezes mais – R$ 30 bilhões - no tratamento dos feridos no trânsito, segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

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