Pernambuco educa crianças e jovens sobre perigos das motos
Concurso de redação sobre prevenção de acidentes teve 6.800 concorrentes de escolas estaduais
Marina Lemle
Uma geração de jovens amputados é o resultado do fenômeno de multiplicação das motos em Pernambuco. Além do custo emocional das vítimas e suas famílias, há um custo social muito grande: só em 2011, 1400 jovens entre 19 e 35 anos foram aposentados por invalidez permanente pela Previdência Social no estado. Os custos hospitalares chegaram a R$ 180 milhões naquele ano, sem contar a fisioterapia e outras necessidades da recuperação da vítima.
Para conter o problema, há um ano o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, criou, através do decreto n° 36.568, o Comitê de Prevenção aos Acidentes de Moto (Cepam), um comitê transversal que envolve nove secretarias de estado. Em parceria com diversos órgãos públicos e com apoio da iniciativa privada e da sociedade civil, são realizadas ações de prevenção que vão da fiscalização e punição – para resultados a curto prazo – à educação no trânsito nas escolas públicas, cujos benefícios deverão ser evidenciados em alguns anos, quando os alunos tornarem-se condutores. Para acompanhar os trabalhos, o Cepam realiza fóruns regionais reunindo representantes de prefeituras, de gerências regionais de Saúde e do governo do estado.
Uma das ações educativas que gerou uma boa mobilização foi a realização, em maio 2012, de um concurso de redações com o tema “Moto: Direção com Prevenção, Valorizando Vidas”. De acordo com o coordenador executivo do Cepam, João Veiga, foram entregues 6.800 redações de estudantes do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e do 1º ao 3º ano do Ensino Médio de escolas da rede estadual de diversos municípios.
Os objetivos do concurso foram provocar a reflexão sobre a utilização da motocicleta com responsabilidade, incentivar a participação social e valorizar o protagonismo das crianças e jovens como agentes multiplicadores da prática da cidadania.
Para escrever as redações, de até 30 linhas, os estudantes foram estimulados a pesquisar sobre o Código de Trânsito Brasileiro, o uso de equipamentos de segurança e a relação com a cidadania. Os professores foram orientados a promover discussões em sala de aula para estimular os alunos a abordarem nas redações enfoques históricos, sociais, geográficos, de saúde e de direitos e deveres. Cada escola formou um grupo de professores responsáveis pela seleção das redações mais representativas da escola - uma para cada série.
Vencedora do concurso na categoria do 9o ano, Gemima Caline Freire da Silva Melo, de Serra Talhada, abordou, em sua redação, as estatísticas alarmantes das vítimas de moto em Pernambuco e os perigos de encarar a motocicleta como um brinquedo. “A moto é o veículo mais inseguro que existe. Muitos acidentes ocorrem com adolescentes e jovens que não têm carteira”, ressaltou Gemima, em entrevista à Associação Por Vias Seguras. De janeiro de 2012 até maio aconteceram 657 acidentes de moto em Serra Talhada, que fica no interior do estado.
Em outubro, a estudante enviou mensagem pelo Fale Conosco do site da Associação Por Vias Seguras na expectativa de ter um retorno sobre a data da cerimômia de premiação do concurso. Veiga informou que a premiação será realizada simbolicamente em 13 de dezembro, durante o II Fórum dos Comitês Regionais de Prevenção aos Acidentes de Moto. “Não houve capacidade logística para trazer todos os vencedores do estado”, explicou. Os prêmios – câmeras filmadoras – foram entregues pelo correio aos vencedores após o nosso contato.
Veiga conta que em 2012 foram capacitados 190 professores do 5o ao 9o ano e que a previsão para 2013 é de mais 290. “O tema trânsito será obrigatório do 5o ao 9o ano, ensinado transversalmente em todas as disciplinas, para levar as crianças a pensarem na problemática do trânsito. É a idade em que elas fixam melhor os aprendizados”, afirma. Os resultados serão conhecidos daqui a no mínimo dois anos, quando os alunos mais velhos começaren a tirar suas carteiras de motorista.
Menos mortes
De acordo com o coordenador do Cepam, a meta de reduzir 6,7% das mortes por acidente de moto no estado em um ano foi cumprida. “Os resultados até agora surpreendem: na região metropolitana de Recife, houve uma redução de 46% das mortes no trânsito e de 41% das mortes envolvendo motos no período de dezembro de 2011 a julho de 2012, em relação ao mesmo período do ano anterior, antes da criação do Cepam e da implementação da Lei Seca”, revela. Veiga conta que foram parados em blitzes 250 mil veículos no estado.
“A fiscalização é dura e sem suborno. Quem para o veículo é a polícia e o cidadão é encaminhado a um quiosque onde há 11 agentes do Detran e da Secretaria de Saúde. Enquanto isso, 12 cadeirantes abordam os passageiros nos carros com um trabalho educativo”, conta.
Interior do estado terá Operação Lei Seca
Segundo Veiga, serão implantados núcleos da Operação Lei Seca em todo o interior do estado, com parcerias das secretarias de Saúde e de Defesa Social e o Detran. “Já começou na região de Caruaru, e vai começar em Araripina e Salgueiro”, anuncia. Ele explica que Comitês Regionais do Cepam desenvolvem trabalhos de conscientização das crianças da área rural, onde o problema vem crescendo.
“As motos são roubadas na região metropolitana de Recife ou até em São Paulo e vendidas muito baratas na zona rural. Agricultores, trabalhadores honestos, estão virando criminosos ao comprarem motos com o chassi riscado. Vamos combater isso junto com a PM, a PRF e o BTRV”, avisa. As estatísticas mostram que geralmente as mortes no interior acontecem nas rodovias rápidas (PEs ou BRs).
Além dos estudantes, trabalhadores de grandes indústrias também são alvo do trabalho educativo. Mais de 150 mil trabalhadores já tiveram aulas, nas quais são exibidos vídeos e realizadas conversas. Na refinaria Abreu e Lima, a maioria das faltas ao trabalho ocorre por acidente de moto. Cerca de 75% dos trabalhadores da empresa já foram orientados. O Cepam também conta com parceiros no Porto de Suape e com o apoio de empresas como a Honda.
“O transporte público é muito ruim e caro. É muito mais barato para o trabalhador ter uma moto, além de poupar muito tempo de deslocamento. Até o transporte público melhorar, queremos fazer com que os motociclistas andem de forma segura”, resume.
Para não falir a Previdência
Em entrevista concedida em novembro à Rádio SEI, da Secretaria Especial de Imprensa do governo de Pernambuco, João Veiga contou que nos anos 1970, na França, foi calculada uma perspectiva de que, se não agissem logo no trânsito, 30 anos depois, no ano 2000, o sistema previdenciário iria falir. “Saíram de 17 mil mortes por ano para menos de 4 mil hoje. A Previdência Social brasileira vem fazendo esse alerta há quatro anos”, enfatizou.
Ele relatou que o Ipea estima um custo hospitalar de em média R$ 154 mil por acidentado, o que representaria apenas 13% do custo total da vítima de moto. Somando-se o custo social e o da recuperação hospitalar, ele custa R$ 958 mil ao município, ao estado e à união. “É esse o valor que se economiza ao parar um motociclista bêbado e tirar a chave dele”, disse.
Veiga explicou à Associação Por Vias Seguras que a notificação de atendimentos hospitalares por acidentes de moto é compulsória: “Todas as unidades hospitalares são sentinelas que informam a Secretaria de Saúde sobre novos casos, como se fosse uma doença epidêmica, mesmo que o ferimento seja só um arranhão”.
Municipalização do trânsito e incentivos à segurança
De acordo com Veiga, toda cidade com mais de 20 mil habitante deverá municipalizar seu trânsito, o que facilita a fiscalização. Os municípios que fazem ações de fiscalização recebem verba estadual para ações educativas.
“É uma decisão política: em vez de contar os mortos, começar a salvar vidas. O prefeito precisa atuar de maneira eficiente para salvar vidas, inclusive a sua própria ou de um filho seu. Isso ocorrendo, em 2014, Pernambuco será um exemplo para outros estados de um estado onde houve planejamento, metas e resultados positivos”, afirmou, acrescentando que os estados da Paraíba e do Piauí estudam implantar seus Comitês Estaduais nos mesmos moldes do pernambucano.
Para estimular a segurança dos condutores e seus caronas, o governo isentará de ICMS equipamentos de proteção individual, como capacetes e luvas, fazendo cair o preço dos produtos. Além disso, as empresas do ramo terão incentivos fiscais para se estabelecerem nas cidades.